terça-feira, setembro 29, 2009

Importância e significado cultural da casa gandaresa


Na nossa região consolidaram-se dois tipos distintos de habitação, o palheiro e a casa gandaresa. O palheiro em Mira atingia dimensões assinaláveis, diminuindo de escala mais a sul, como na Tocha, diferença que também se assinala nos tipos de casas dos lavradores. No que respeita a estas últimas, afirmaram-se dois modelos, a casa de Mira e a casa da Tocha.

Trata-se com efeito dos dois grandes modelos, sobretudo porque a planta e as divisões da casa são diferentes, havendo no entanto muitos aspectos que as assemelham.



O modelo de casa de Mira domina numa área que vai sensivelmente do Rio Boco a norte, até à ribeira da Fervença. Para sul, a partir das Cochadas e Caniceira domina o modelo de casa da Tocha, sendo o corte e mudança muito nítida entre a Ermida e a Caniceira.


A Península ibérica teve a sorte de receber tecnologias de terra por vários canais, sendo dois deles mais importantes: do norte pelos romanos e do sul pelos árabes. Por seu lado Portugal e Espanha exportaram essas tecnologias nomeadamente para a América e para África.


A construção em terra tem vantagens a nível económico, energético, ecológico, social, cultural, e ainda a nível prático e técnico.


O modelo da casa gandaresa levou cinco séculos a amadurecer e a apurar-se, sem interferências de outras culturas que o descaracterizassem, salvo as influências de tradição mourisca e a incorporação de elementos renascentistas, que lhe acrescentou encanto e elegância. Deixando adivinhar a vida sóbria e serena do campo é ela fruto duma sólida sabedoria, conformada em sucessivas gerações, e duma relação harmónica e feliz com a paisagem e os elementos.


A casa gandaresa encontra remota filiação na casa árabe ou mourisca. À arquitectura do granito, que se desenvolve em altura, o sul contrapõe um espaço térreo, organizado em planta centrada, aberto para o interior, recorrendo a alvenarias de terra crua e cozida. É portanto uma casa-pátio, de nítida filiação árabe, cujos materiais originários seriam o adobe, a telha caleira e a madeira de pinho. Parece haver, no entanto, no pátio gandarês, um remoto eco dos espaços interiores romanos, sobretudo da casa rural romana, e que se viram revividos nos claustros românicos de grande número de conventos.

Revitalizar a construção em adobe, ou pelo menos em técnica mista de adobe e cimento, este nos pilares e vigas, traria não apenas o usufruto de espaços mais agradáveis mas também a vantagem económica do menor custo dos materiais utilizados.


A casa integra-se na paisagem e quase se funde com ela. Daí que passe muito despercebida. A casa é como quem a habita: humilde, serena, integrada, funcional e feliz.


A construção em adobe, de tradição ancestral, produziu em si, em termos sociológicos, uma contradição aparentemente insanável. Se os nossos antepassados apreciavam a construção em terra pelo seu carácter confortável e quente, maternal e protector, puro e consonante com a terra a que se sentiam ligados, mais recentemente, as gentes, sobretudo as mais desprotegidas, sentem-se nela presas e envergonhadas, como num arcaismo que se lhes afigura obstáculo às aspirações sociais de consumo, ostentação e afirmação, em subserviência às imagens materiais do progresso moderno.

Passou-se então à destruição pura e simples das casas gandaresas e sua substituição por tipologias estrangeiras ou de proveniência duvidosa, em que escandaliza a absoluta transgressão da escala e uma enorme confusão tipológica. O esquecimento total da tradição acarretou o consequente adulteramento da paisagem povoada.


Um olhar mais atento para com este fascinante modo de habitar revela-nos um tesouro que se vai desvendando, mas que se sabe fugaz, pois, qual espécie em vias de extinção, dentro de anos não restará de pé um único exemplar, redundando em perda de memória e dum património colectivo que, pese embora a sua despojada aparência, guarda uma enorme riqueza que se vai dissipando.

Esperamos pois que, através dum empenhamento colectivo e convergente, se possam vir a preservar pelo menos os exemplares mais significativos dessa arquitectura tão serena, que transporta em si uma beleza intensamente discreta, e que, tal como a vida, é efémera e ternamente frágil.


(in Oponto, Por P. F.)

14 comentários:

Anónimo disse...

Até que enfim que alguém se lembra que as casas gandarezas também sao de Mira e não só Vagos ou do Bom Sucesso.

Mario César disse...

A Casa da Gandara e os Palheiros de Mira são os melhores exemplos da arquitectura desta região, simbolizam uma luta do homem contra o meio e a sua adaptaçao.
Na praia pouco se ter feito pelo restauro e valorização destas casas de madeira.
Fez se o Palheiro Museu, e muito bem, mas de resto continua se a deixar morrer outros palheiros, os donos deviamde tentar por aquilo como era antigamente, mas custa muito dinheiro e isso é coisa que não abunda agora.

João Luís Pinho disse...

"Estamos nas vésperas de perder grande parte da nossa herança cultural, se não preservarmos o passado, deixaremos mais pobres as nossas gerações vindouras..."

Talvez o tenha dito por outras palavras, mas o sentido era sem dúvida este, o das palavras de Jorge Dias, um dos vultos maiores (senão mesmo o maior...e que me perdoem todos os outros) da etnografia Portuguesa, quando se referia ao património cultural deixado pelos nossos antepassados.
A casa gandareza pela sua expressividade e pelo seu valor simbólico e representativo surge nos como um dos mais puros exemplos do ser Gandarez.
Fechada sobre o seu pátio interior, protegida dos olhares indiscretos do exterior, garantido aos seus habitantes um conforto e uma protecção, quer dos fortes ventos do norte quer das quentes tardes de calor, a casa gandareza é como os que lhe deram origem, frágil mas forte.
Por Mira ainda encontramos alguns bons exemplos desta arquitectura, umas mais originais que outras, umas com algum rigor apesar de restauros sucessivos, mas todas elas apresentando um traço característico e distintivo, para além da tradicional fachada Janela-Porta-Janela.
Os custos associados a restauros em edifícios deste tipo, onde a matéria usada, a taipa ou adobe, já de si frágeis, são hoje em dia de difícil acesso(senão impossível), aliadas ao custo da mão-de-obra e dos restantes materiais, obrigam, muitas vezes, a que os seus proprietários optem pela sua destruição completa em detrimento de uma nova construção, nem sequer equacionando um eventual restauro ou readaptação.
Os apoios estatais para este património ainda pecam por serem escassos, vulgarizando muitas vezes este património, como se de algo sem valor se tratasse. Cabe pois aos municípios, às associações locais, ao povo gandarez em ultima análise, a preservação e a manutenção deste símbolo da nossa terra.

Hoje poucos as valorizam, creio mesmo que só quando existirem um ou dois exemplares intactos, é que alguém se lembrará deste património, e aí mais uma vez bradaremos "AI JASUS" lá vai mais um pedaço da nossa identidade.

Lembrem se dos idos anos 80 e 90 e da maneira como o património histórico cultural de Mira foi tratado, lembrem se daquilo que tínhamos, que temos e que talvez consigamos voltar a ter.

Vamos fazer um esforço, todos, porque a união faz a força, e vamos procurar por estas nossas ruas e caminhos valorizar, recriar e reconstruir o património que nos deixaram, que nos honra e que nos distingue... caso contrário "seremos um povo cada vez mais pobre e mais descaracterizado".

Anónimo disse...

Para já não há perigo de extinção, como todos sabem, há uma casa gandaresa com 10 anos de idade no Seixo de Mira. Onde mais deveria ser?

Anónimo disse...

Nem vale a pena... pérolas a porcos

Essa casa de que falas a única coisa que tem é parecer se com uma casa gandareza, de resto valor histórico-patrimonial deve ser 0 (zero)
Por esse andar se fizermos por ai uns castelos e umas catedrais já podemos meter os verdadeiros abaixo.

oh mentes tacanhas que prái andem

Anónimo disse...

Mau, então mas se fores rico e fizeres um castelo agora, deixa de ser castelo porque só tem 10 anos? Ah está bem, se for contemporâneo não tem valor nenhum. Tem paciência!

João Luís Pinho disse...

Estão ser chatinhos...

Lógico que continua a ser castelo ou o que lhes queiras chamar. No entanto e voltando a casa gandareza, ela vale pelo que representa, mas também pela forma e estrutura arquitectónica. No caso da casa do seixo ela só tem o aspecto de casa gandareza, pois quanto à sua estrutura interna ela difere substancialmente daquilo que é (foi) uma casa de lavrador da gandara. Isto para já não falar dos materiais utilizados na sua construção (o tijolo desta substituiu o adobe, bem como as vigas de cimento substituíram as madeiras de cumes e etc).
E isto vai transformar substancialmente todo o conjunto, estar à lareira não é o mesmo que estar ao borralho, as frinchas das portas e dos telhados de forro de madeira com as suas "aragens" constantes permitiam que o fumo subisse mais facilmente. Por exemplo mirenses que fizeram recentemente borralhos à moda antiga, admiram se que teem sempre a casa cheia de fumo, com tanto isolamento não havia circulação de ar e o fumo nao subia pela chaminé do borralho.

Não bem a mesma uma casa gandareza e uma casa agandarezada... e aqueles mais velhos bem sabem do que falo.

seixomirense disse...

Sei qual é a casa a que se referem, e exteriormente tem afachada de uma casa gandaresa o que é de louvar! Se o interior não é, não sei, não tenho helicóptero. Quanto a ser de adobes ou não, existem fábricas de adobes?

"Até que enfim que alguém se lembra que as casas gandarezas também sao de Mira e não só Vagos ou do Bom Sucesso."


Ao tempo que no Seixo já existe essa preocupação que tem resultado na requalificação de muitas dessas casas!

Anónimo disse...

é só casas gandarezas requalificadas ai no seixo
TAMBÉM TENS A MANIA QUE SABES TUDO E DE TODOS OS ASSUNTOS E DE TODAS AS TEMATICAS, CÁ PRA MIM NAO SABES E DE NADA... és mais um com manias vindo do Seixo, que pelos vistos é o unico lugar que pareces conhecer
tambem é demais

seixomirense disse...

Às vezes passo por Cantanhede... Também já fui à Aveiro. Uma vez fui a Alijó, Vila Real!
Desculpe, esqueci-me da asfixia e que não se pode falar.
Tenha paciência, quando Marcelo Rebelo de Sousa fala de Futebol, eu falo do que me apetecer. Tenha paciência que eu tb tenho alguma.

Anónimo disse...

Seixomirense,explique por favor quais e onde estão localizadas as casas gandaresas recuperadas no Seixo.Uma,duas? Para tantas que se têm demolido ou estão em ruína ...

Carlos Monteiro disse...

Estou completamente de acordo com o João Luís.
Em nome do progresso, o bota-a-baixo é, como em tantos outros casos, o radical remédio.

" (...) parece que os Serviços de Urbanismo deveriam olhar pela conservação da arquitectura popular e não contribuir, pelo contrário, para a sua destruição e substituição por um estilo banal e incaracterístico." Raquel Brito

O futuro não é um produto, é antes um processo compartilhado

seixomirense disse...

Uma ou duas já não é mau... mas são mais.

seixomirense disse...

É só falar com alguém da junta do Seixo q ele explica o que têm feito pelas casas gandaresas. Ah, a junta é laranja e Mira é rosa, logo não ha comunicação não é?