Com os dias de calor a terminar, feitas as contas de mais um verão e de mais uma época balnear que findou, mais um ano se abeira do fim. Este ano, que foi fortemente marcado pelos diversos actos eleitorais, foi também um ano de consolidação e de afirmação de uma terra e das suas gentes.
Por Lisboa os “Caretos da Lagoa” passearam as suas vestes coloridas num bailado de ousadia e diversão, sempre afoitos e irreverentes como manda a tradição, não fossem eles “Caretos da lagoa”. Pelo Norte, João Petronilho levou imagens desta terra e dos seus habitantes, neste caso não seres humanos, mas animais. Tendo mesmo conseguido um primeiro prémio com a sua fotografia de um sapo das areias.
Pela imprensa e media, noticias como, a Inauguração da Pescanova, a bandeira Azul, os lares para a 3ª idade, entre outras que com pena não me recordo, foram colorindo os dias dos Mirenses que se alegravam com noticias da sua terra. Certamente que também surgiram noticias menos boas, tais como a relativa às areias do montalvo, as relativas a acções vistas como negativas pelas oposições politicas locais, entre outras relativas a roubos e furtos que por aqui também ocorreram. No entanto, e procurando assumir uma posição de observador isento, creio que, numa breve e simplista análise geral, Mira até esteve bem.
Estamos em finais de Outubro, um novo ano está já ali à porta. Um novo ciclo politico iniciou, desta vez com responsabilidades acrescidas para o executivo dirigente local, tal foi a manifestação de apoio manifestada pelos Mirenses.
Neste novo período, em que a tão propagandeada “crise” se fez e fará sentir é conveniente ter os pés bem assentes na terra, não enveredando os executivos locais por megalomanias ou um qualquer projecto macrocéfalo, como por vezes se verifica, apostando antes, e com forte convicção, nos valores que deram origem a esta terra, e a estas gente. Valores locais e reconhecidos por todos os gandarezes, deste o extremo sul ao extremo norte deste pequeno grande concelho.
Esta terra, que engloba em si mesmo um vasto conjunto de potencialidades, deverá ser assumida na sua plenitude enquanto local de lazer e ócio, não só para os que nos visitam, mas também, e sobretudo para aqueles que aqui residem.
Provida de um conjunto de riquezas culturais, etnográficas e ambientais de elevado valor e potencial, esta terra encerra em si aquilo que de melhor se poderá encontrar em toda a região centro.
Certamente tem deficiências em vários os níveis, e quem não as tem, contudo Mira soube, apesar da sua pequenez, manter vivo um certo espírito de pertença, que noutras localidades do litoral centro se foi perdendo ao longo dos tempos. E graças a quem? Aos Mirenses, pois então. A eles deverá ser reconhecido o mérito por termos hoje aquilo que temos.
Aos que lavraram a terra, tantas vezes sob a dura presença de uma natureza agreste no Inverno e castigadora no Verão, devemos graças. Foram esses homens e mulheres que, durante os períodos mais negros da nossa história recente, souberam criar e manter esta forma de estar. Posses tinham muito poucas, a propriedade estava muitas vezes nas mãos de meia dúzia de ricos proprietários cuja única função era rentabilizar as suas terras, graças ao suor de outros de menos recursos. Foram estes homens que, com o apoio da terra, mataram ao fome aqueles que do mar viviam.
Hoje em dia, graças ao trabalho e à “luta”, as circunstancias são outras. E ainda bem. É bom lembrar que tínhamos palheiros na Praia de Mira, como bem relatou Raquel Soeiro de Brito na sua obra “Palheiros de Mira”, mas é ainda melhor ver que poucos têm, hoje em dia, que viver nessas construções, que, apesar de românticas, encerram em si muita pobreza, muita fome e muita miséria.
A nós, habitantes e Mirenses, em pleno século XXI, cabe-nos a dura tarefa de, pelo menos, manter aquilo que os nossos antepassados recentes nos deixaram.
Um vasto sistema hídrico fluvial, composto por valas, ribeiros e regatos, cuja beleza e importância para o bem-estar das populações é sobejamente conhecida. Um ecossistema ambiental e florestal, cuja existência se deve, sem qualquer dúvida, aqueles que com o suor do seu rosto e com a força dos seus braços a semearam e acarinharam durante o seu crescimento, cabendo nos agora a tarefa de o preservar, recriando-o e reinventando para um usufruto coincidente com as actuais exigências e necessidades. Uma linha de costa, romântica e protectora, cujas areias foram inspiração para poetas, e cuja imagem perdura na mente daqueles que nos brindam com a sua visita.
Gosto de ver os Mirenses orgulhosos da sua terra, e gostaria ainda mais ver esses mesmo cidadãos exercerem a cidadania que nos deram de uma forma integra, promovendo e impulsionando aquilo que é nosso, e que a nós cabe usufruir, mas sem duvida também proteger e promover.
João Luís Pinho